segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Missionária sobrevive ao ebola



Muito interessante esta entrevista, da

Revista Cristianismo Hoje reproduzimos na íntegra: 

Na primeira semana de outubro, a temível 

epidemia provocada pelo vírus ebola na África 

chegou ao Ocidente.

 Um caso já foi comprovado nos Estados Unidos

 e autoridades sanitárias da União Europeia já 

tratam como “muito provável” que apareçam casos 

na França e noReino Unido. Desde que o atual surto

 – o pior já registrado – começou,

 em março deste ano na Guiné, já foram registrados cerca de 10 mil casos

 da doença – e esse número pode crescer para 1,4 milhão, segundo os centros de

 controle.

 A ameaça passava despercebida pelos americanos até que a enfermeira da organização missionária norte-americana Servindo em Missão (Sim, na sigla em inglês) Nancy

 Writebol e o médico Kent Brantlly, do ministério Samaritan’s Purse(“Bolsa do Samaritano”), foram diagnosticados com a doença no mês de julho. 


Nancy, que tem experiência em trabalhos no Equador e na Zâmbia, se mudou para a Libéria com o marido, David, em 2013. Quando estava já há cerca de um mês tratando pacientes infectados, a missionária descobriu que ela também havia contraído o ebola. Como o casal não apresentou nenhuma melhora na África, foram levados de volta para os EUA, onde foram tratados com ZMapp, uma droga experimental polêmica. Ambos se recuperaram completamente.


Nancy, que atualmente vive na Carolina do Norte com David, conversou com o correspondente de Christianity Today, Morgan Lee, sobre o tratamento, ação de Deus enquanto ela estava doente e o que pensam daqueles que protestaram contra o seu retorno aos EUA.
CHRISTIANITY TODAY – Como é um hospital liberiano quando há uma epidemia?
NANCY WRITEBOL – Em muitos hospitais, não havia equipamentos de proteção e os enfermeiros trabalhavam sem luvas e sem máscaras. Nós, do SIM, tínhamos a vantagem de estar em parceria com o Samaritan’s Purse, que havia trazido tudo de que precisávamos para proteger nossos profissionais de saúde. Mas ainda existia o medo de trabalhar em uma unidade isolada, lidando com as pessoas. Demorou um tempo para que os enfermeiros percebessem que podiam estar protegidos ao sair e entrar, sendo desinfetados.
Como a cultura e a religião afetam a assistência médica na África?
Normalmente, na cultura africana, depois da morte eles fazem uma lavagem do corpo; portanto, há muito contato com os cadáveres – e é justamente quando a pessoa morre que o contágio atinge seu auge. As pessoas não queriam levar seus familiares infectados às unidades de isolamento, porque sabiam que se tratava de uma sentença de morte. Então, em vez disso, elas tentavam escondê-los em casa. Era difícil para eles entender que não deveriam sequer tocar nos corpos dos entes queridos mortos.
Segundo a mídia, os africanos ocidentais, por acreditarem fortemente no poder de cura da fé, não seguiam as práticas da medicina ao interagir com amigos e parentes infectados. Isso é verdade?
Nós vimos isso. Havia pessoas propagandeando que, se você bebesse determinada água ou se procurasse tal curandeiro, ficaria livre do ebola. Era difícil convencer os membros da comunidade e fazê-los entender que essas coisas traziam prejuízo, em vez de ajuda. É, na verdade, uma questão de confiança.
Qual foi a reação da Igreja liberiana ao ebola?
Muitas igrejas estão tentando ajudar a educar as pessoas sobre o ebola. Por exemplo, em igrejas como a que nós frequentávamos, os cultos dominicais são como os dos EUA, onde apertamos as mãos e cumprimentamos as pessoas. Porém, nos estágios iniciais do ebola, os pastores diziam, logo no início: “Não vamos apertar as mãos”. As pessoas se cumprimentavam de maneiras diferentes.
Por que os pastores locais seguiram os conselhos da comunidade médica?
Eles tinham confiança e anos de convivência com o hospital montado pela missão Sim lá. Isso não quer dizer que não havia pessoas contra; mas havia uma relação construída entre pastores que trabalhavam com o nosso hospital, a igreja e a nossa liderança. Quando se está tentando educar as pessoas, muitas vezes tudo depende da relação que se tem com a liderança.
Há muita desconfiança dos liberianos em relação aos ocidentais?
Sim, e isso, provavelmente, tem a ver com a história recente da Libéria, em função dos quinze anos da guerra civil que acabou em 2003. Havia uma desconfiança geral por parte de todos. Estava entrando dinheiro – e dinheiro é sempre uma tentação –, mas os apoios e financiamentos que chegavam à Libéria nunca atingiam realmente os níveis mais baixos da sociedade.
A senhora teve algum conflito pessoal ou espiritual pelo fato de ter sobrevivido ao ebola enquanto tanta gente, inclusive crentes africanos, morreram com a doença?
É difícil lidar com isso. O principal de tudo é que nós não conhecemos a mente de Deus e não sabemos por que ele permitiu que eu sobrevivesse e que alguns dos meus irmãos africanos, não. A única coisa que tenho a dizer é que Deus é maravilhoso e que nós não conhecemos seus pensamentos. Portanto, não podemos limitar o Senhor, dizendo como ele deve agir. Deus permitiu que sobrevivêssemos e há muitos irmãos e irmãs africanos que estão sobrevivendo ao ebola, mas é como o câncer ou qualquer outra doença: alguns sobrevivem, outros não. Eu confio naquilo que o Senhor está fazendo e na maneira como ele trabalha. Ele trouxe conscientização sobre a crise de ebola, o que ajudou na elaboração de uma vacina e de um soro que talvez ajudem; e trouxe conscientização para os outros países da África que estão sofrendo com isso.
A senhora alguma vez perguntou a Deus por que ficou doente?
Acho que nunca perguntei isso. Sei, apenas, que senti uma enorme paz do Senhor. Isso não significa que eu não passei por momentos difíceis. Todos nós, na Libéria, sentimos que, na semana em que o doutor Brantly e eu estávamos pior, havia uma batalha espiritual acontecendo. Enfrentamos dias muito difíceis, mas durante esses momentos, o Senhor trouxe à minha mente a sua Palavra e a sua paz. A pergunta que fiz foi: “Como? Como eu peguei ebola?”. Não há resposta para isso. Nós estávamos tomando todas as precauções. Isso traz à tona outras perguntas médicas: Por quanto tempo vive esse vírus? Onde nós o contraímos?
Até que ponto a senhora já havia pensado sobre essas questões teológicas, simplesmente por estar recebendo tratamento durante várias semanas?
Eu me senti segura em todos os momentos. Eu confiei em Deus e sabia que éramos as mãos e pés de Cristo ali. Eu já havia experimentado da paz do Senhor bem antes de contrair o ebola. Depois disso, o meu relacionamento com o Senhor se aprofundou no conhecimento de que ele está no controle. Ele tem nossos dias contados.
Há, no momento, uma grande discussão nos EUA sobre a ética do uso da vacina ZMapp, mesmo depois de a doença começar a se espalhar, meses atrás. O que a senhora, que se beneficiou do medicamento, acha dessa discussão?
Nós ficamos sabendo do ZMapp e sabíamos que se tratava de uma droga experimental, que nunca havia sido testada em seres humanos. Sabíamos, também, que não havia nenhuma certeza de que ela seria eficaz em nós e em nossos irmãos africanos. Também havia a questão dos possíveis efeitos colaterais. E se não sobrevivêssemos? Não é fácil responder a essas perguntas. Estávamos bem cientes de que havia a possibilidade de um efeito adverso, mas também sabíamos que não melhoraríamos se não fizéssemos nada. E, depois, soubemos da existência de muitas questões éticas. Uma delas é por que nós recebemos a medicação, mas os africanos não a receberam? Essa é uma pergunta difícil de ser respondida.
As missões Samaritan’s Purse e Sim são responsáveis pela maior parte da infraestrutura na área de saúde da Libéria?
Sim. O governo administra um hospital, embora eu não conheça seus números. Há, também, hospitais católicos e clínicas particulares. Mas a nossa unidade era o único centro de ebola aberto em junho. Depois, os Médicos sem Fronteiras se juntaram a nós em nossa propriedade, mas nós somos a maior unidade de tratamento do ebola no país.
É mais difícil combater a doença quando muitos dos profissionais médicos não são liberianos?
Nosso hospital tinha cinco médicos ocidentais, mas também havia sete ou oito médicos da Libéria trabalhando ao lado deles. Há uma grande confiança em nosso trabalho, mas veja o ataque a profissionais da saúde que aconteceu recentemente na Guiné e os casos ocorridos na Libéria. Há uma falta de confiança em profissionais de saúde estrangeiros.
Qual foi a sua reação quando ouviu sobre os protestos de alguns americanos contra a sua volta aos EUA?
Até aqui, há uma falta de conhecimento a respeito do vírus. Se você colocar a pessoa em uma unidade isolada dentro do avião, sendo trazida por profissionais usando equipamentos apropriados de proteção, há uma chance muito pequena de contágio. Todas as precauções foram tomadas. Mas entendi que muitas pessoas não compreendiam a situação. É uma questão que ainda precisa ser entendida, até mesmo em nosso meio profissional. Algumas pessoas diziam, ao me encontrar: “Não se aproxime!”, mesmo depois dos centros de controle  terem anunciado que não estávamos mais com o vírus da doença.
A senhora pensa em voltar para a Libéria?
Sim, possivelmente em 2015. Eu gostaria de rever as pessoas que trabalharam ao nosso lado e encorajá-las. Não sabemos, porém, como estará essa epidemia. Eu tenho muita preocupação com o vírus do ebola. Precisamos tomar precauções sérias.
O que a senhora aprendeu na Libéria que pode mudar a maneira como as pessoas reagem à crise?
Deus nos chamou para estar na Libéria. Nós nos preocupamos de verdade com nossos irmãos africanos e com o que eles estão enfrentando. Frequentávamos uma igreja liberiana e vivíamos em comunhão com eles. Fazer parte do corpo de Cristo naquela parte do mundo foi uma bênção para nós. Nós morávamos na mesma área conjunta onde ficava o hospital, a estação de rádio e a escola. Havia uma igreja lá também, mas nós íamos a uma das igrejas liberianas da comunidade, para conhecermos melhor as pessoas de lá. Precisamos entender que tudo é uma questão espiritual. Fazemos parte de uma batalha espiritual pelas almas das pessoas. Vivemos para que elas venham a conhecer a Cristo como seu Salvador.

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